A MINHA CASA
sábado, 29 de dezembro de 2012
A MINHA CASA
chuva negra goteja
tua gota espessa
depuradora
irônica
goteja verseja
vai esparramando
três cinco sete
quantos matizes
encontrar pelo caminho
em agulhadas finas
de gotas oleosas
vai, não se cansa
continua que eu vicio
faz um ritmo de dança
de suspiro em dia de
acalanto
meia água
porão
madeira grossa
escura de solidão
tem a fresta tábua no
chão.
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o céu é cinza mas eu
sou nobre
o dia é rápido eu sou
vagarosa
cachorros ladram
eu me engajo na
caravana do alheio
pinto ramos dourados
uso joias de aluguel
não estou nem aí nem aí
eles também
e não sei mais quem
que fica sempre à parte
anotando, brincando,
de dia A noite de B
aquela estrela fica
para C
não dou mais do que
dois copos de vinho para você
existe o tempo o
contratempo o contrassenso
o bom senso
é tudo uma época um vai vem
quem sabe depois de
você
depois de você de você
de você de você
o que é você?
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tua tua
passageiramente tua
eternamente minha
vou dormir para esquecer
que sou tantas
não sei com nascem e
renascem
se esquecem adormecem
as várias que acordam e
gritam ou calam
e sou tantas que sempre
uma e logo nenhuma
que são os outros?
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de quem é esse chão que amo
que beijo que cheiro
esse chão que me inunda
esse chão que só meu
essas pegadas que só
minhas
minha terra que não é
minha
nem deles
nunca antes em teu solo
esse amor essa dor.
...............................................................
que perna, que osso
olhos ah, os olhos
cabeça e membros
cabelos, isso de
cabelos e
unhas – viram que são
unhas
garras
dentes em vozes
silêncio espaços e
silêncio
um cheiro ou perfume
a beleza dos teus olhos
teus pés sujos –
palavras
acorde da alma
mas
quase não faz mais diferença...
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já não faz diferença
porque o sono
o sono vem
devagar eu já me
espreguiço e
não faz diferença
é que quando acordo
quero saber
como viver sem saber?
e eu quero tudo
o que foi o que é
o que virá
se instalar
porque como quando
que ritmo e
pressupostos
se tem perna ou braço
ou esqueleto ou cabeça
e olhos em fogo em
desvio
em fuga, essas cabeças
que na calada da noite
espionam
e constroem abrigos e
trincheiras
que não entendo
mas
não faz mais diferença...
....................................................................................................
só faz diferença o silêncio de uma
noite gelada
cheia de estrelas e certezas
de homens que ficam ruminando
queixas
e construindo trincheiras
- outras barreiras –
em seus túmulos moradas
se
eles vivessem no máximo vinte e cinco anos eu poderia espalmar minha mortalha e
bordar meus signos – hinos e desígnios – e chama-los camaradas
mas,
lá, na calada da noite figuras escuras bisbilhotando mágoas e arruinando
deuses.
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agradeço senhor pela vida que me destes
pelo solo dourado que
percorri
pelo mar azul que
banhei de prazer
pelo amor que não
entendi
pelo filho que me fez
feliz
pelos amigos que se
configuraram em tipos assim
não sei se anti ou pró
pelas estrelas que
ficam girando e girando
pelo momento que se
tornou sagrado em meus pés e em meu canto
pela voz pelas palavras
pelos sensores pela
alma pelos cravos pelos espinhos
mas, se me desses dois
ou três minutos de tranquilidade
sem interrogação –
passado ou futuro – no escuro
no novo momento – um
daqueles de acerto
o redondo, senhor,
comigo aposte no redondo, parece que meu senhor
ainda não me entendeu, jogue na tinta
carregue nos contrastes
e me remeta para uma origem ou passagem
simplesmente me retorne
em dias sem mistérios
e lá me deixe de forma
que sentada em um banco de jardim
eu me transforme em
rosas margaridas matagais pirilampos
eu não sei nominar, mas
me deixe a divagar levitar
sei lá que diabo eu me
encarregue de inventar
eu presto contas – o grande cínico
francamente onipotente
eu sei, eu sei,
esse grão de areia essa
insignificância
lá se foi o heroísmo a
bravata a epopeia o definitivo
a chama que totaliza
anarquiza
tá legal tá legal
assim pequena e sem
sentido, extensa ou densa, e daí? faz diferença?
cuspo na cara do
senhor, eu queria é deixar marcas
arranhar os céus
puxa-lo pelos cabelos
e lamber o sangue e as palavras de deu
manto
eu queria urrar no
universo inteiro
seus animais façam essa
porra funcionar direito
ter sentido norte sul
ter eixos – ponham nos
eixos
desdobrem esse
limítrofe em coordenadas plausíveis
e me deem uma história
que eu possa moldar, que eu possa contar,
na qual eu possa
acreditar
mas
não faz diferença...
porque vi os rostos
contrafeitos e os pés sujos das crianças curvadas
e já vi e já calei e
não morri...
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só faz diferença esse
sussurro interior
esse mundo que sou eu e
que sou tantas
e parece saber mais do
que vocês
mas nem tudo mas muito
esse mundo que vai
revelando segredos
me preparando para o
sair de cena
o entrar em cena
o rir da cena
- a não chorar de cena
-
essas vozes, esse hálito que lá dentro tece uma morada
A Minha Casa.
CRAVOS VERMELHOS
se me dessem um caule
em cravo – vermelho – numa dessas noites de fim de tarde
de fim de outono, um
silêncio de frio gelado
numa dessas noites em
que nosso corpo é ardido por um calor sem esperança
estrelas passageiras
- pois estrelas ficam
mais distantes e límpidas nas noites frias -
eu montava uma varanda
de cravos de cravos
semeava cravos
vermelhos em trilha negra por essas minhas paredes
para depois dormir
dormir com o silêncio
que fazem tantos cravos
e tantas estrelas no
azul verde escuro da floresta
e tanta solidão na
tristeza gelada do pensamento
sabem essas noites
transparentes de esperança que não são quentes
mas, em que teu corpo é
invadido por agulhadas no frio suave
- eu já estou quase sem
nome – e para minhas estrelas
para meus cravos
peço baixinho
devagarzinho
que sussurrem, sussurrem
novamente.
ENFASTIADAS
losangos
dois
três quatro
oito
triângulos
escrevo
meu círculo de
quadras quadradas
rimas
mal acabadas
palavras
predestinadas
esvaziadas
enfastiadas.
INJETADOS
como dois ou três
serenos
três ou quatro alegrias
e soberbas
os homens de olhos
injetados e profundos
velhos e cansados
mandados do mundo
as meninas esguias
gazelas
em seus olhos fundos e
rasos
o mundo que esmaga o
mundo que apaga
meu copo sobe e desce
meu corpo queima e se
cala e se esquece
jovens galados sorriem
modas lobas e sem lua
meninas tingidas e
perdidas tem olhos que são
pequenos botões escuros
de esquecimento
minha
mãe sabia um bolo e um confeito.
LEVITAR
estar em paz é uma
espécie de leve flutuar sem as contradições existenciais arquetípicas
em que iluminados vertebrados se abstém da flecha do
tempo e sua invariável direção
mas, se a fonte é dos
poetas, não interessa se brincam de equações premonições linguagens
bobagens engrenagens
ciência encanto amor espanto espantalho espalhafato
enfim ,mas, se então
donos do espaço sempre presente em um final de tarde
branco e quase
metafísico holístico paramétrico – quase já não me lembro das coordenadas azuis
do movimento e sua necessidade de dados e projetos – eu me fecho
por sobre o dia
por sobre a quase
benção
e ressuscito uma
tranquilidade que gostaria de enfeitar em palavras livres e soberanas
como um destino e que, unas e cruas, são o alvorecer do poente do aceite
são nada e são hastes
silenciam enfeitam
absorvem fogem vazias em toda plenitude
e, devassa, esparramo
em novas tentativas um objeto, que sei, é o espaço e o dia.
NARCISO
iso iso
Narciso descerrou
a cortina do espelho
água água cristalina
limpa suja varre
Narciso incorpora
narcisos narcisos
perfil perfil
lentamente, perfil
quem quem
no espelho cobalto
silêncio na serra verde
silêncio que silêncio
que Narciso, que
silêncio
Narciso não ouviu
resposta
Narciso ficou com o
espelho
água cristalina
modula modula
pedra pedra
pedra
branca branca.
Narciso descerrou
ficou silêncio
alvorada passarada
Narciso sem sol
a água vai levar
palavras palavras
chamem o espelho
façam-no falar
sussurrar
palavras palavras
azul de espelho branco
solidão de deserto
branco
desterrada em alma de
branco
branco cor de mármore
de silêncio de narciso
de ausência
não
há imagem....
branco azul de silêncio
desterro – enterro
enterro - desterro
rosas de abril
só morrem em março
só empenham sangue
vermelho vermelho
sangue e sangue
o sangue de ontem
que lambuza meus lábios
- hoje
Narciso descerrou e
ficou
parede de objeto azul
forma verde sem remédio
amarelo de passado
imagem branca
sem imagem sem palavras
sem dores flores amores
Narciso ficou
não coloriu mais telas
perdeu as pedras de seu
castelo
ouviu os gritos e
chorou
Narciso chorou e urrou
na escada cheia de
sangue
Narciso se esfarrapou,
meu amor...
não estávamos sozinhos
brincávamos de eco
romance e aventura
tragédia de panos azuis
e latas verdes
fazíamos filmes filhos
idéias
sabíamos e sabendo
aprendíamos
não éramos dois ou um
mas pessoas pessoas
pessoas como outras
pessoas
mas Narciso ficou...
e mantenho as mesmas
paredes
e refaço a leitura
e essas mãos que nunca
terminam
falam remexem
representam...
queria falar com o
espelho
explodir o grito de
amor
deixar voar a pessoa
que caminha
e as pedras as pedras
que são brancas e o
silêncio
e a matéria – água
Narciso agora é água.
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